PARTE I: ANÁLISE HISTÓRICA E DOUTRINÁRIA
O surgimento do movimento pentecostal é considerado o fenômeno mais
importante da história da igreja no século 20. Exatamente agora este movimento
está completando um século, tendo surgido em Los Angeles, Estados Unidos, em
1906. Por causa do enorme crescimento do pentecostalismo, e do impacto que
tem causado nas igrejas e na sociedade, particularmente no Brasil, é importante
conhecer a sua história e as suas características.
1. Antecedentes.
Ao longo de toda a história do cristianismo têm existido manifestações de
entusiasmo religioso e em especial movimentos chamados carismáticos. O termo
“entusiasmo” aponta para situações em que as pessoas afirmam receber
revelações diretas de Deus, muitas vezes acompanhadas de êxtases místicos,
visões e outros fenômenos associados a uma experiência religiosa de grande
fervor e intensidade. O termo “carismático” lembra os carismas ou dons espirituais
mencionados no Novo Testamento, particularmente aqueles extraordinários ou
espetaculares tais como profecias, línguas estranhas, curas e outros milagres.
Exemplos dessas manifestações podem ser vistos na igreja de Corinto nos dias
apostólicos, no movimento montanista (2° século), em alguns grupos anabatistas
da época da Reforma Protestante (século 16), entre os quacres ingleses (século
17) e no ministério de Edward Irving (século 19), um pastor presbiteriano escocês
que é considerado o precursor do moderno movimento carismático.
2. Primórdios nos Estados Unidos.
Após a Guerra Civil, na segunda metade do século 19, surgiu nas igrejas
metodistas dos Estados Unidos um movimento que dava ênfase especial à plena
santificação como uma “segunda bênção” ou “segunda obra da graça”, distinta da
conversão. Essas igrejas ficaram conhecidas pelo nome “holiness” (santidade).
Com o passar do tempo, algumas igrejas holiness passaram a falar no “batismo
com o Espírito Santo e com fogo” como sendo uma terceira experiência na vida
cristã.
Em 1900, um pregador metodista, Charles Fox Parham, criou um instituto bíblico
na cidade de Topeka, no Kansas, na região central dos Estados Unidos. Há cerca
de dez anos ele vinha ensinando que a glossolalia – falar em línguas
desconhecidas ou estrangeiras – devia acompanhar esse batismo no Espírito
Santo. Por algum tempo, ele chegou a acreditar que os crentes receberiam o
conhecimento sobrenatural de línguas terrenas para que pudessem rapidamente
evangelizar o mundo antes da volta de Cristo.
Já havia ocorrido a manifestação de línguas em anos anteriores nos EUA, assim
como em outros períodos da história. A novidade na teologia de Parham é que ele
foi o primeiro a considerar o “falar em línguas” como a evidência inicial do batismo
no Espírito Santo. Foi essa característica que se tornou a marca distintiva do
movimento pentecostal.
No dia 31 de dezembro de 1900, Parham e seus alunos realizaram um culto de
vigília em seu instituto bíblico para aguardar a chegada do novo século. Uma
evangelista de 30 anos, Agnes Ozman, pediu que lhe impusessem as mãos para
que ela recebesse o Espírito Santo a fim de ser missionária no exterior. Ela falou
em línguas, fenômeno que se repetiu nos dias seguintes com metade das pessoas
da escola, inclusive Parham.
Nos anos seguintes, Parham deu continuidade ao seu trabalho em várias partes
dos Estados Unidos, atraindo milhares de seguidores. Seu movimento recebeu
diferentes nomes: fé apostólica, pentecostal ou chuva tardia. Nessa época,
ocorreu um movimento semelhante na Inglaterra, que ficou conhecido como “o
grande avivamento do País de Gales”. Em 1905, Parham criou uma escola bíblica
em Houston, no Texas. Um dos estudantes atraídos pela escola foi um ex-garçom
negro e pregador holiness, William J. Seymour.
3. O Avivamento da Rua Azusa.
Era o período da discriminação racial no sul dos Estados Unidos e Parham
simpatizava com esse sistema. Seymour só podia ouvir as aulas sentando-se no
corredor do lado de fora da sala. Algumas semanas depois, ele recebeu o convite
para visitar um pequeno grupo batista em Los Angeles. Esse grupo, pastoreado
por uma mulher, Julia Hutchins, havia sido expulso de sua igreja por esposar
doutrinas holiness.
Seymour, então com trinta anos, era filho de escravos, tinha pouca cultura,
limitados dotes de oratória e era cego de um olho. Escolheu Atos 2.4 para o seu
primeiro sermão em Los Angeles, embora ele mesmo nunca tivesse falado em
línguas. A pastora não gostou do seu ensino, mas ele, acompanhado por boa
parte do grupo, passou a fazer as reuniões na casa onde estava hospedado.
Quando esta se tornou pequena, foram para outra um pouco maior, na Rua
Bonnie Brae.
Com o passar dos dias, várias pessoas começaram a falar em línguas, primeiro
negros, depois brancos, e finalmente o próprio Seymour teve essa tão-sonhada
experiência (12-04-1906). Nesse mesmo dia, a varanda da frente dessa residência
desabou devido ao peso da multidão. Com isso, os líderes alugaram um rústico
edifício de madeira na rua Azusa, no centro de Los Angeles. Esse prédio havia
abrigado uma igreja metodista negra e posteriormente tinha sido usado como
cortiço e estábulo.
Imediatamente as reuniões atraíram a atenção da imprensa. O principal jornal da
cidade mandou um repórter ao local e este escreveu ridicularizando os fenômenos
presenciados. Esse artigo, intitulado “Estranha babel de línguas”, foi publicado no
mesmo dia em que um terremoto seguido de um incêndio destruiu a cidade de
San Francisco (18-04-1906), no norte na Califórnia. O artigo funcionou como
propaganda gratuita e logo em seguida ocorreu o avivamento da rua Azusa.
As reuniões eram elétricas, barulhentas. Começavam às 10 da manhã e
continuavam por pelo menos doze horas, muitas vezes terminando às 2 ou 3 da
madrugada seguinte. Não havia hinários, liturgia ou ordem de culto. Os homens
gritavam e saltavam através do salão; as mulheres dançavam e cantavam.
Algumas pessoas entravam em transe e caiam prostradas. Até setembro, 13.000
pessoas passaram pelo local e ouviram a nova mensagem. Muitos pastores
respeitáveis foram investigar o que estava acontecendo e muitos deles acabaram
se rendendo ao que ocorria.
Uma característica marcante dessas primeiras reuniões foi o seu caráter multiracial,
com a participação de negros, brancos, hispanos, asiáticos e imigrantes
europeus. A liderança era dividida entre negros e brancos, homens e mulheres.
Um artigo do número de novembro de 1906 do jornal A Fé Apostólica, fundado por
Seymour, dizia: “Nenhum instrumento que Deus possa usar é rejeitado por motivo
de cor, vestuário ou falta de cultura”. Outro artigo informava que em um culto de
comunhão que durou toda a noite havia pessoas de mais de vinte nacionalidades.
Uma frase comum dizia que “a linha divisória da cor havia sido lavada pelo
sangue”.
Desde o início houve também muitos problemas: médiuns espíritas tentavam
realizar sessões durante os cultos; enquanto muitas pessoas sentiam a presença
de Deus, outras ficavam no fundo do salão discutindo e condenando; havia muitas
críticas de jornais e de líderes de outras igrejas. Mas também houve crises
internas: choques de personalidade, fanatismo, divergências doutrinárias e
separação racial. Seymour e outros líderes negros acabaram assumindo o
controle da missão, excluindo os brancos e os hispanos. O próprio Parham visitou
o local em outubro de 1906 e ficou chocado com certas manifestações.
Após cerca de três anos de reuniões diárias de alta intensidade, o avivamento
entrou em declínio. Após a morte de Seymour em 1922 e de sua esposa em 1936,
a missão fechou as portas e o edifício foi demolido. Mas um novo capítulo na
história da igreja havia começado.
Portanto, o movimento pentecostal tem dois fundadores: Charles Parham e
William Seymour. Parham foi o primeiro a dizer que o falar em línguas era a
evidência visível, bíblica do batismo com o Espírito Santo. A importância de
Seymour, o discípulo de Parham, reside no fato de que sob a sua liderança,
através do Avivamento da Rua Azusa, o pentecostalismo se tornou um fenômeno
internacional e mundial, a partir de 1906.
4. Controvérsias.
Desde o início o movimento pentecostal foi muito diversificado, com uma grande
variedade de manifestações e ênfases. Isso se deveu em parte a uma série de
controvérsias que abalaram o movimento:
(a) A “obra consumada”. A controvérsia da obra consumada foi a primeira
ruptura na família pentecostal. Segundo a visão tradicional do movimento holiness
e dos primeiros pentecostais (seguindo João Wesley), existia uma experiência
instantânea de “inteira santificação” ou “perfeição cristã”, separada da experiência
da conversão. Era chamada a “segunda bênção”, sendo considerada uma
preparação necessária para uma terceira experiência, o batismo com o Espírito
Santo (a nova experiência pentecostal). Em 1910, William H. Durham, pastor da
Missão da Avenida Norte, em Chicago, questionou essas idéias, insistindo no que
ele denominou a “obra consumada no Calvário”, ou seja, a obra de Cristo na cruz
era suficiente tanto para a salvação quanto para a santificação. Os pentecostais
da obra consumada passaram a entender a santificação como um processo
gradual. Em 1915, essa já era a posição preferida de aproximadamente metade
dos pentecostais americanos, e hoje da maioria deles.
(b) A questão racial. O Avivamento da Rua Azusa uniu negros e brancos,
tornando-se, nos seus primeiros anos, um modelo de cooperação inter-racial. Em
1910, destacados líderes pentecostais brancos e negros se esforçavam para
tornar essa visão inter-racial um elemento básico do pentecostalismo. Com o
tempo, muitos líderes brancos acharam difícil manter esse impulso inicial. O
racismo e as leis de segregação racial do Sul (leis Jim Crow) prevaleceram. Ficou
difícil realizar convenções multi-raciais, pois havia leis proibindo reuniões desse
tipo e acomodações em hotéis para ambas as raças. Por causa dos obstáculos
culturais, sociais e institucionais, igrejas negras começaram a se retirar de
denominações multi-raciais já em 1908. Do mesmo modo, uma associação branca
ligada à Igreja de Deus em Cristo formou as Assembléias de Deus como uma
denominação predominantemente branca em 1914 (Hot Springs, Arkansas). Em
1924, a maior parte das igrejas brancas de outra denominação mista, as
Assembléias Pentecostais do Mundo, se retiraram para criar uma denominação
branca, que mais tarde veio a ser o nome de Igreja Pentecostal Unida (Missouri).
Os pentecostais hispanos, muito numerosos, também se organizaram
separadamente. Desde fins dos anos 60, as denominações pentecostais têm
tentado sanar algumas dessas divisões.
(c) O movimento da unicidade. Em 1913, numa concentração na Califórnia, o
pastor canadense Robert Edward McAlister começou a insistir no fato que o Novo
Testamento mostra os apóstolos batizando somente “em nome de Jesus”. Essa
prática começou a ser adotada por muitos pentecostais através do país. No início
parecia apenas uma nova fórmula para o batismo, mas com o tempo verificou-se
que era uma rejeição da doutrina da Trindade com sua tríplice distinção de
pessoas (uma reedição do antigo monarquianismo modalista). Em 1916, as
Assembléias de Deus condenaram formalmente as posições do movimento de
unicidade ou Jesus somente. Seus adeptos tiveram de desligar-se e formaram as
suas próprias denominações – as Assembléias Pentecostais do Mundo e a Igreja
Pentecostal Unida. Hoje esse grupo representa uma pequena fração do
pentecostalismo mundial.
(d) Pacifismo. A maior parte dos primeiros pentecostais eram firmes pacifistas,
por duas razões: obediência a preceitos bíblicos (“Amai os vossos inimigos”, “Não
matarás”) e crença pré-milenista no fim do mundo. A maioria das igrejas se
posicionou contra o envolvimento na I Guerra Mundial e alguns líderes chegaram
a ser presos. Na época da II Guerra Mundial, eles já haviam assumido uma
posição cultural mais semelhante aos evangélicos, aprovando a legitimidade de
envolvimento americano na guerra. Na Guerra do Vietnã muitos já haviam se
tornado antipacifistas.
(e) Manipuladores de serpentes. Num domingo de 1910, um pregador do
Tennessee chamado George W. Hensley pregou sobre o texto de Marcos 16.17-
18. Ao concluir, ele tirou uma grande cascavel de uma caixa e segurou-a com as
mãos por vários minutos. A seguir, ordenou que a sua congregação fizesse o
mesmo. Sua fama se espalhou pela região e ele foi ordenado na Igreja de Deus.
Teve uma vida cheia de altos e baixos, inclusive com quatro casamentos, mas
continuou a manipular serpentes. Essa prática foi proibida por lei e
Hensley e seus seguidores foram presos muitas vezes. Em 24 de julho de 1955,
Hensley foi mordido mais uma vez. Como nas outras ocasiões, recusou-se a
receber tratamento médico e na manhã seguinte estava morto aos 75 anos. Hoje
cerca de 2.500 pentecostais praticam o manuseio de serpentes em igrejas
autônomas muito conservadoras.
(f) Os latinos. Os latinos, principalmente mexicanos e chicanos, estiveram
presentes no Avivamento da Rua Azusa desde o início. Por razões não
inteiramente claras, Seymour os expulsou da missão em 1909. Esse conflito deu
origem ao movimento pentecostal latino, que se difundiu através dos Estados
Unidos, México e Porto Rico. Já em 1912, eles criaram suas próprias igrejas
autônomas e independentes na Califórnia, Texas e Havaí. Até recentemente eles
eram conhecidos como os “pentecostais silenciosos”, porque sua história
raramente era contada. Esse segmento tem desfeito o estereótipo de que ser
latino é o mesmo que ser católico romano. Em 1998, cerca de um milhão de
latinos freqüentavam 10.000 igrejas e grupos de oração em 40 tradições
pentecostais e carismáticas nos EUA e Porto Rico.
5. Mulheres.
As mulheres tiveram grande participação e visibilidade nos primórdios do
movimento pentecostal. Dois exemplos notáveis são Maria Beulah Woodworth-
Etter e Aimee Semple McPherson.
(a) Maria Woodworth-Etter (1844-1924) teve uma vida difícil até os 35 anos.
Cinco de seus seis filhos morreram e o seu primeiro marido foi surpreendido em
adultério. Em aflição, ela uniu-se aos quacres e tornou-se uma pregadora
avivalista. Nos seus cultos, as pessoas clamavam e choravam em alta voz; muitos
participantes entravam em transe ou tinham visões que podiam durar várias horas.
Em 1912, aos 68 anos, ela abraçou o movimento pentecostal mais amplo ao
pregar por seis meses em Dallas. Tornou-se uma das evangelistas pentecostais
mais conhecidas do início do século e o seu ministério possibilitou o surgimento
posterior de outras mulheres pregadoras e ministradoras de curas.