Entre os mitos comuns no mainstream evangélico
contemporâneo (assim como das seitas que se destacam dele) está uma certa
concepção acerca da Igreja Primitiva. Essa concepção não é totalmente sem
fundamento, mas surge de um conjunto de exageros que se explicam tanto pelo
pouco conhecimento das Escrituras (nossa primeira fonte, ao tratar da Igreja
Primitiva) quanto pela ingenuidade acerca da história do desenvolvimento da
Igreja cristã.
É parte da retórica
proselitista sectária a Ideia de que a Igreja Primitiva haja sido uma Igreja
perfeita, com a doutrina correta, a santidade correta, os costumes corretos, a
administração correta, tudo correto, e que a Igreja atual (ou as igrejas
atuais) seja um desvio dessa perfeição inicial. As seitas cristãs (testemunhas
de Jeová, mórmons, adventistas, etc) fazem uso desse erro, em maior ou menor
medida. Mas também o faz, de fato, grande número de protestantes quando busca
criticar a Igreja católica.
Em parte essa
concepção é justificável, na medida em que um estado ideal de coisas, submetido
ao caos do comportamento humano, à “entropia” do tempo, às influências
externas, só pode tender da perfeição para a imperfeição.
Em parte também se
justifica tendo em conta que o conhecimento mais imediato que temos da Igreja
Primitiva em sua origem é o Novo Testamento, que é o nosso modelo de comportamento,
conduta, crença. Ao passo que o Novo Testamento tem um conteúdo ético (regras
de comportamento), tem também um conteúdo histórico-narrativo, muitas vezes
como parte de um mesmo texto, mas que não é explicitamente endossado ou
condenado pela própria Escritura. Trata-se, portanto, de uma leitura pobre das
Escrituras.
Entretanto, a ideia
inicial, de que Igreja primitiva fosse perfeita e um modelo em todos os
aspectos, é absurdamente falsa. Uma simples leitura do Novo Testamento já é
suficiente para esclarecer isso, e por isso não vejo ser necessário provar isso
aqui, ao menos por hora. Desejo apenas que o eventual leitor desse texto
reflita sobre o tema. A Igreja primitiva estava dividida (o partido de
Jerusalém de um lado, o partido de Paulo de outro, como vemos em Gálatas),
havia diversas heresias (que negavam a ressurreição futura, ou que negavam a
entrada de gentios na igreja), e todos os pecados de hoje haviam na época.
É preciso ter em
mente: nem tudo na Igreja primitiva era correto ou apontado por Deus. Além dos
pecados e heresias, havia problemas estruturais. Se, por exemplo, a
prática de congregar-se em casas, como havia na Igreja primitiva, tivesse dado
certo, nunca teriam deixado de fazê-lo. Há também o mito de que a Igreja
primitiva não era hierárquica (quando, na realidade, era muito mais do que
hoje), mas não é momento para discutir diretamente esse ponto. A questão é que
acredita-se hoje que a hierarquia é algo mau, e projeta-se essa ideia em
direção à igreja primitiva, como se a hierárquica eclesiástica fosse uma
criação da “idade das trevas” (um outro mito, uma época que nunca existiu).
Também é errado pensar que todas as mudanças foram para pior, na passagem da
Igreja Primitiva para Igreja Medieval. Trata-se de preconceito e ignorância
acerca do tema.
E havia santos entre
eles (rodeados por uma nuvem de pecadores), sim, mas também os há entre nós. O
número de pessoas de fé sempre foi pequeno, em toda a história do cristianismo,
se comparado ao número de verdadeiros santos. Jesus morreu por culpa de um
discípulo; já não basta isso?
Em verdade o acúmulo
de erros desde a Igreja primitiva é muito grande. Mas, guardando-se a devida
proporção, não há motivos para pensar que a Igreja de hoje seja “pior” que a
Igreja de 2 milênios anos atrás. Temos mais heresias hoje, mas só podemos imaginar
que o número delas cresça à medida que cresça o número de cristãos. Se todos os
cristãos tivessem sido mártires (no sentido mais próprio), não haveria
cristianismo.
G. Montenegro.
G. Montenegro.
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